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NZOMBIE

O Morto Vivo

Capítulo I

Antártida

O frio extremo e cortante do continente Antártico não desanimava o biólogo Nick Frost e sua equipe de exploração na tentativa de conseguirem amostras nas profundezas do Lago Vostok. A perfuração da grossa camada de gelo milenar de aproximadamente quatro quilômetros de espessura levara dois meses para ser concluída, entre danos causados às brocas de aço, que faziam a maior parte do serviço e devido ao frio intenso que as enrijeciam, partiam-se como vidro, ao mesmo tempo em que a pressão interna das paredes do glaciar as imobilizavam nas profundezas. Era um trabalho difícil e extenuante que envolvia ainda a remoção dos resíduos da perfuração e o transporte para a superfície.

Não era o único interessado no conteúdo que as cápsulas de amostragem revelariam depois de talvez quinze milhões de anos sob a camada de gelo, sucessivamente compactada ao longo desse tempo. O Lago Vostok localiza-se nas coordenadas 78°27′00″S 106°52′12″E, possuí uma área de duzentos e cinquenta quilômetros de comprimento e quarenta quilômetros de largura em forma de elipse. Compreende uma área de quatorze mil quilômetros quadrados com uma profundidade média de quinhentos metros e totalmente protegido da atmosfera terrestre, pela extensa camada de gelo que o cobre na totalidade. Uma verdadeira cápsula do tempo.

Depois de todo esse trabalho de perfuração, ainda seria necessário que após a coleta do material sedimentar e biológico, houvesse o cuidado de preservar as amostras num ambiente totalmente isolado, esterilizado e que não fosse contaminante de forma alguma...

Nick Frost trabalhava para a Corporação de Estudos Biológicos NOMAD, uma entidade privada que tinha como principal missão estudar ambientes de biodiversidades esquecidos pelo tempo, tanto pela dificuldade de acesso como pelo total desconhecimento dos lugares existentes. Aos trinta anos, acabados de completar, porte atlético sem exageros, 1,96m de altura, herança de seus ancestrais Vikings, gostava de se considerar um Viking dos novos tempos, por esse motivo os cabelos louros e compridos em geral pendiam-lhe pelos ombros, neste momento específico deixava-os presos no formato de um longo “rabo de cavalo”, para ter maior mobilidade naquele ambiente inóspito. Era bem possível que em algum momento lembrasse um dos muitos deuses da mitologia nórdica à vista de estrangeiros.

Descendia de uma família de pesquisadores, seu avô tinha sido um “Homem do Gelo” cuja principal ocupação se baseava em comandar expedições ao centro do Polo Norte e das incontáveis vezes que lá foi, em uma delas ficou nalgum lugar tão remoto que até hoje não se sabe o verdadeiro paradeiro. Por esse mesmo motivo, o desaparecimento do avô, ele tinha escolhido ser um aventureiro, com um pouco de sorte quem sabe não encontraria o que restou de seu antepassado. Pensava nessa possibilidade...

Não era incomum que após os degelos pessoas desaparecidas nesses ambientes reaparecessem em condições de preservação consideráveis ao ponto de poderem serem reconhecidas e enterradas com dignidade e seu avô poderia ser uma dessas pessoas “sortudas” com certeza.

Lembrava-se da história de Ötzi, a múmia de um possível habitante europeu da Idade do Cobre com cerca de cinco mil e trezentos anos de idade e que tinha sido encontrada em razoável estado de preservação numa geleira perto do monte Similaun, na fronteira da Áustria com a Itália. Conta a história da paleontologia, que ao morrer, trajava vestimentas rudimentares para protegê-lo do frio, com três camadas de roupas feitas de pele de veado e de cabra, além de uma capa forrada de fibra da casca da Tília, árvore típica no hemisfério norte. Não deixava de ser surpreendente que essas coisas pudessem acontecer e ao mesmo tempo serem encontradas na maioria das vezes de forma casual, como era este caso específico e verídico.

Nick devia a curiosidade dos fatos ao seu pai, um escritor que apesar de não obter muito sucesso literário, praticamente escrevia para si mesmo, seus livros abordavam questões fundamentais da sociedade humana, os mistérios do mundo por desvendar e a incerteza se somos a Primeira Raça humana sobre a superfície da Terra, ou apenas mais um ciclo que se repete interminavelmente, um círculo que nasce, cresce, prospera e se extingue por completo, ou quase...

O amor que tinha pela profissão, a Biologia, veio através da mãe que também era bióloga, na área de genética molecular e ainda exercia a profissão, mas não mais como pesquisadora, entregou-se ao serviço burocrático depois que percebeu que todo o seu trabalho visava apenas lucros astronômicos para seus empregadores e não necessariamente a cura para as doenças que por séculos ainda assolavam a humanidade.

Sentou-se sobre uma caixa de alumino próxima de onde estava observando toda a movimentação em torno da perfuração gelada, resignado, ao perceber que mais uma broca se partia nas profundezas daquele gelo infernal.

- Lá vamos nós outra vez... – Disse para o encarregado da perfuração que empilhava as brocas de aço ao lado da perfuratriz. – Ainda é muito cedo para desistirmos! – forçou um sorriso que não tinha, mas que precisava animar sua equipe que cada vez mais lhe parecia exausta. Tão rápido como tinha esquecido o Homem de Gelo por instantes, assim voltou com ele aos pensamentos.

Considerava incrível que durante todo o tempo em que Ötzi permaneceu congelado a história humana tivesse passado por ele sem que o incomodasse. Durante esse período o Egito tornou-se uma potência que ecoava pelo tempo até aos dias de hoje enaltecendo seus grandes feitos e suas personalidades, escravizou o povo hebreu e perdeu a batalha para Moisés, assim diziam as sagradas escrituras e ainda que não fosse de todo verdade, ele sabia que as histórias contadas ou escritas sempre tem alguma fundamentação, portanto, não importava se o Mar Vermelho tinha sido aberto para a passagem do povo escravo ou não, o caso era que a história perdurava por milhares de anos.

A Grécia tinha alcançado dias de glória nas mãos de Alexandre da Macedônia, Aquiles, Helena e outras personalidades que ainda passavam por Aristóteles, Sócrates e Platão, dentre tantos que lhe vinham á mente como luzes que apagavam e acendiam velozmente, mas da mesma forma que os outros sucumbiram ao tempo e a outras civilizações, a Grécia não foi diferente de nenhum deles. Roma ascendeu séculos depois e formou um império de mil anos, entretanto, Ötzi ainda permanecia adormecido no sono congelado nos Alpes italianos sem que fosse percebido, enquanto a maioria de nós apenas virava pó na medida em que nascia, vivia e morria sem deixar vestígios palpáveis, excetuando-se os que forçosamente por conta do destino ou artimanhas perpetuavam seus nomes nos livros de história.

Continuava atento á perfuração lenta e monótona, mas sabia também que era a melhor tecnologia que dispunham e a pressa era inimiga não só da perfeição como também da ciência, sabia disso... Olhou para o céu e pôde ver a Lua resplandecente como um queijo suíço olhando para ele, ali estava uma das coisas que passariam pelo tempo e pela humanidade sem que fosse perturbada. Por causa da Lua tinha criado quando ainda muito jovem um calendário do tempo, relembrou da história; pediu ao pai que lhe arranjasse a mais larga fatia de tronco de árvore que ele pudesse encontrar e não se decepcionou, em menos de duas semanas foi-lhe entregue uma rodela de madeira circular com 1,20m de diâmetro e dez centímetros de espessura.

Para assombro de todos, ninguém fazia ideia para o que aquilo serviria a menos que fosse para fazer algum tipo de veículo antigo, mesmo assim seria necessário um par para tal e não era este o caso. Possivelmente um tampo de mesa para estudos, mas apenas ele, o futuro biólogo, tinha planos diferentes para o estranho e peculiar objeto, aquele seria seu Calendário do Tempo. Depois de tanto tempo ainda estava afixado na parede do seu quarto, na casa dos pais em Drammen, próximo de Oslo na Noruega.

Com todo o cuidado e talento que possuía na época, estava com quinze anos apenas, muniu-se de uma lixa fina e maleável e muito calmamente começou a polir um dos lados, aquele que lhe pareceu mais adequada para o que pretendia fazer e não teve pressa em deixar a superfície tão lisa, que era impossível perceber qualquer tipo de ondulação que fosse. Deixou que a mão percorresse continuamente e inúmeras vezes por aquela superfície macia, sentia satisfação em que a poeira fina deslizasse por entre os dedos sem qualquer tipo de resistência.

Providenciou um lugar onde pudesse colocar a enorme rodela de madeira que agora estava totalmente polida e lisa, limpou-a com um pano úmido e logo em seguida encerou-a com uma mistura de cera animal de óleo de baleia e de forma a que a madeira ficasse mais escura e os anéis concêntricos mais visíveis, conseguira o efeito pretendido sem dúvida.

- Pai, quantos anos acha que esta árvore tinha antes de ser derrubada? – queria saber se pelo menos estaria perto da estimativa de tempo pretendida.

- Pelo tamanho dessa rodela de madeira que você tanto se deu ao trabalho de polir, creio que no mínimo uns duzentos anos! – sorria ao ver o entusiasmo do filho com aquele grande pedaço de madeira no meio da sala de estar, sobre a mesa de centro. Ocupava quase todo o espaço livre. – Mas ainda não sei o que pretende com tudo isso! – estava curioso e sabia que ele não lhe revelaria, pelo menos não ainda, era de seu feitio só mostrar o resultado depois de pronto, aquele experimento não seria diferente.

- Bem, não é o que eu esperava, mas terá que servir! – Disse franzindo um pouco as sobrancelhas.

Esperou quase dois dias para que o óleo infiltrasse completamente pela madeira e fosse absorvido deixando apenas o tom escuro que muito lhe agradava. Foi até ao escritório onde o pai costumava escrever, poderia ter economizado alguns minutos se tivesse perguntado logo o que procurava, mas deu-se ao trabalho de buscar por ele mesmo, aquilo era mais do que apenas encontrar o que pretendia, era uma exploração em local desconhecido e agreste, seu pai não tolerava que as coisas ficassem fora do lugar, aprendeu dessa forma a sempre deixar tudo conforme havia encontrado. Finalmente ali estava, a caixa com as etiquetas adesivas.

Sentou-se próximo da mãe, Martha Frost, que desfrutava de um livro científico com alguma relevância que para ele de momento não lhe interessava, era sobre botânica, mais precisamente do naturalista Charles Darwin e qualquer coisa sobre um navio chamado Beagle que viajara ao redor do mundo, só mais tarde reconheceria a real importância de tal literatura.

– Mãe! Posso interromper por um momento? – não esperou que ela desse o consentimento e entregou-lhe um maço de etiquetas com uma caneta preta de ponta grossa.

- Ao que parece não tenho muita opção não é? – sorriu para o filho, era o único que tivera a coragem para trazer ao mundo e mesmo assim com alguma dificuldade, mas ao que parecia, as complicações tinham sido superadas. Pensava que com tantas doenças sobre a Terra era quase um milagre que a raça humana ainda estivesse viva. – O que acontece agora? – estava tão curiosa como o pai do jovem Nick Frost que do outro lado da sala observava tudo em silêncio, enquanto fazia algumas anotações.

- Preciso que escreva em algumas dessas etiquetas coisas de relevância que tenham acontecido nos últimos, vamos dizer... Cinco mil anos! Pode ser assim! – os olhos reluziram para o que viria a seguir na ansiedade de descobrir quais seriam as revelações históricas que sua mãe lhe faria. – Gosto da sua letra... – complementou. Muito mais do que isso, ele queria preservar alguma coisa de sua mãe por um tempo indefinido, se possível pela eternidade.

Olhava-a de soslaio gravando em sua memória todos os traços do rosto perfeito, pálido e liso, contava agora com quarenta e cinco anos, algumas rugas que outrora não existiam começavam a se fazer presentes nos cantos dos olhos e sobre a testa, conforme ela escrevia alguma coisa nos pequenos rótulos que ele lhe dera, suas sobrancelhas arqueavam insinuando uma luminosidade radiante pelo rosto. Amava a mãe de uma forma muito diferente de como amava o pai, Eldar Frost, neste caso específico não existia um desequilíbrio de sentimentos, mas o amor por ela era sereno e doce, calmo e muito terno. Não amava menos o pai, mas a forma desafiadora como ambos viviam entre si tornava-se uma mistura de disputa de espaço e aproximação com cautela, tal qual dois machos de uma espécie delimitando seus espaços.

 Aquele era seu porto seguro, a calmaria e a tempestade juntas num único lugar e ele era o mediador desses dois elementos incontroláveis e conflitantes.

- De quantas precisa? – sorriu mais uma vez percebendo que tirava o doce da boca de uma criança.

- Talvez trinta? – não estava certo da quantidade, não tinha contado os anéis no interior da rodela de madeira, mas encontraria um jeito de encaixar o máximo de eventos que pudesse.

- Vejamos então... Cinco mil anos atrás, não é isso? – ganhou tempo para pensar em acontecimentos históricos da raça humana. Não percebeu que seu marido chegara perto na esperança de ser convidado a participar da brincadeira, por algum motivo, sentiu-se atraído por aquele experimento.

- Posso participar? – disse em voz baixa, temendo ser excluído.

- Claro meu amor! Sente-se aqui e nos ajude a contar a história da raça humana através dos tempos! – Martha sempre saía em sua defesa. Gargalharam por mais uma vez terem encontrado algo em comum para fazerem.

- O nascimento de Cristo! Pode ser este o primeiro? – foi o pai quem aceitou a brincadeira.

- Pode sim! E não precisa perguntar, apenas vamos escrever nas etiquetas! – Nick Frost faria o melhor e mais bonito relógio do tempo que jamais veriam em suas vidas.

- O cerco de Tróia! Podemos aproveitar e colocar as datas estimadas, não acha uma boa ideia, Nick? – a mãe também começa a divertir-se com toda aquela movimentação.

- Sim, sim! A história de Helena e Páris. Isso será ainda melhor do que eu tinha planejado! – pegava as primeiras etiquetas e as perfilava sobre a madeira sem ainda colá-las.

- Alexandre o Grande e a conquista do mundo conhecido! 356 a.C. – disse o pai visivelmente empolgado.

- Segunda Guerra Mundial! 1945! – Nick lembrava-se melhor de coisas mais recentes e que eram obrigatórias nas salas de aulas.

- As Cruzadas! 1.100 d.C.! – novamente o pai fazia uma sugestão, a mãe estava mais concentrada em fazer uma boa letra na escrita das etiquetas.

- Os Grandes Descobrimentos, Século XIV! – Nick sorria satisfatoriamente, sempre quisera ser um navegador, daqueles bem aventureiros. Talvez um pirata...

- Incêndio de Roma, Nero! 68 d.C. – Martha escreveu antes que algum deles pudesse falar algo e olhou-os severamente.

– Minha vez! – sorriu logo em seguida para satisfação de todos. - A Peste Negra no Século XIV! – era bióloga e precisava deixar alguma coisa do seu conhecimento naquele trabalho do filho.

- A chegada do homem na Lua! 1969! – Eldar que ainda meditava sobre os assuntos interviu sem ao menos escutar o que os demais diziam.

Em poucos minutos de muito divertimento e com a ajuda dos pais, Nick tinha não apenas trinta eventos históricos de relevância, mas pelo menos cinquenta ao todo, espalhados pela rodela de madeira.

- O que fará em seguida, querido? – a mãe passava as mãos pelos cabelos sedosos da cor de ouro do filho notando o interesse que ele tinha em agrupar de forma eficiente toda a cronologia dos eventos escritos nas etiquetas.

- Agora já posso fazer o meu calendário do tempo! Vou colar as etiquetas a partir do centro, que seria a idade mais antiga da árvore e fazer chegar até á borda utilizando os anéis como marcadores... – ainda arrumava a classificação conforme as datas históricas. Seus pais se entreolharam por descobrirem que o filho tivera uma ideia magnífica para poder contar o tempo, a bem da verdade aquilo era para que ele mesmo pudesse se situar no espaço e no tempo em que vivia. – Depois passo uma camada de verniz ou resina por cima se conseguir comprar e penduro na parede do meu quarto! – estava satisfeito, e ficou ainda mais quando seus pais começaram a ajudá-lo com a colagem. Todos queriam participar daquele momento único.

Foi despertado dos pensamentos longínquos da infância ao ouvir os gritos dos homens que ainda perfuravam a grossa camada de gelo que os levaria até ao adormecido Lago Vostok nas profundezas daquela geleira inóspita, não tinha ideia de quanto tempo ficara divagando sobre seu passado. O encarregado da perfuratriz, Victor Orloff, correu na direção de onde ele estava e com um largo sorriso de que obtiveram o mais absoluto sucesso deu-lhe as boas novas.

- Conseguimos Dr. Frost! – abraçou-o com força, quase fazendo com que o gigante nórdico saísse do chão. – A broca ficou livre sob a camada de gelo, isso significa que atingimos a água no lago em estado liquido! – ainda estava eufórico por ter terminado um trabalho exaustivo e que levara meses para chegarem até àquele momento.

- Se isso for verdade não podemos retirar a broca ainda! É necessário posicionarmos uma câmara de contenção em volta do buraco para que não haja contaminação de espécie alguma! – olhou em direção ao local da perfuração percebendo que as últimas brocas estavam sendo retiradas, correu o mais que pôde, mas em vão. Todo o trabalho que esperava e o resultado poderiam estar comprometidos com aquele erro fatal.

- Mas que Inferno, Sven! – Sven Urland era outro membro de sua equipe e assim como ele norueguês de nascença e de terem idades aproximadas, além de seu braço direito no comando da expedição, estava mais do que ciente dos procedimentos de contenção e segurança a serem tomados em qualquer tipo de escavação.

 

– Onde está a câmara de contenção? – estava irritado com a falha tão acadêmica de sua equipe. Isso se mostrou imperdoável no momento, deixaria de ser relevante com absoluta certeza, depois dos eventos que se seguiriam.

- Desculpe Nick, ficámos tão empolgados depois de tanto tempo que só pensámos em pegar as amostras, nada mais... – Sven possuía uma vasta barba mesclada de dourado e negro e aparentava ser pouco mais baixo do que ele, entendia perfeitamente do assunto em questão, só não fazia sentido ter se esquecido do principal motivo para o qual fora contratado, que era a segurança das amostras.

A última broca oca caiu sobre o gelo do acampamento de prospecção e perfuração com um barulho metálico estridente, a amostra que precisavam estava no seu interior, supostamente em ótimo estado, mas seria a única, uma lama escura muito espessa e grossa estava em toda a volta do objeto e não tardou para que tivessem a absoluta certeza de que o buraco nas profundezas voltaria a se fechar através da compressão que o gelo exercia nas laterais. Nick tinha esperança que a água do lago não tivesse sido contaminada por nada da superfície com exceção da ponta da broca e para a qual estava devidamente preparada e esterilizada. Por outro lado, não queria também que vapores ou gases de qualquer natureza e contidos por milhões de anos naquelas profundezas ficassem soltos na atmosfera, os efeitos disso podiam ser catastróficos e devastadores.

- Isolem a amostra e certifiquem-se de que não seja contaminada por nenhum agente externo! – as palavras foram bastante severas e ríspidas, era seu nome como cientista e o patrocínio de seus empregadores que estavam em jogo, de mais ninguém. A amostra deveria ser transportada o mais rápido possível para a estação Vostok de forma a que se desse início aos procedimentos de estudos. Foram necessárias algumas horas até que tudo estivesse pronto.

Anton Pavlov o paleontólogo, admirava o interior da grande caixa de vidro de 1,5m de largura por 2,0m de comprimento, com vidros de 2 cm de espessura e 90 cm de altura recém-chegada do campo de perfuração. No interior estava a única amostra retirada das profundezas no Lago Vostok, para infelicidade de todos, outras amostras ou mesmo o envio de uma sonda autônoma como haviam planejado para o interior do lago glaciar não seria mais possível, pelo menos até que se decidisse fazer uma nova investida de prospecção.

Isso requeria outra perfuração e mais demanda de tempo e dinheiro, além de que não havia mais certeza do lago estar totalmente lacrado e incólume de agentes externos. Esperava a presença de Nick Frost para darem inicio á abertura da cápsula do coletor de mostras no interior da caixa de vidro. Ao contrário das outras cápsulas mais comuns, que simplesmente colhia o material para depois ser analisado, este novo equipamento era especializado em recolher amostras em locais de difícil acesso que não podiam sofrer contaminações de ambientes externos.

Era essencial que quando a cápsula fosse aberta estivesse livre de contaminações de qualquer natureza para que pudesse haver uma compreensão total do mundo milenar e das condições em que o planeta se encontrava na época em que aquela amostra foi produzida e já esquecida pelo tempo. Todo o ambiente no interior daquela caixa lhes garantiria isso. Era fato científico que as camadas mais profundas de gelo aprisionavam as condições atmosféricas na forma de bolhas de ar de milhares de anos atrás quando do seu congelamento, um processo natural e muito simples, a neve precipitava sobre o solo, ou um rio que escova seu liquido precioso e em algum momento devido ás baixas temperaturas solidificava-se.

Depois que isso acontecia, as sucessivas camadas de neve que caiam sobre o local compactavam durante milhares de anos aquele solo até que formasse uma placa compacta de gelo de dimensões e dureza espetaculares e esse era o caso em que aquela amostra tinha sido colhida, com a diferença que sob a extensa camada de gelo havia uma lago em estado liquido e possivelmente possuía vida bacteriológica dentro dele. Já tinham se passado quase vinte e quatro horas desde a coleta da amostra e os preparativos para examiná-la.

- Está pronto para o que vamos descobrir em seguida? – Nick que acabara de chegar interrompeu os pensamentos do colega de trabalho.

- Sim! Apenas aguardando que você como sendo o legitimo orientador da pesquisa dê o passo inicial! – Anton aproximou-se mais da grande caixa de contenção biológica, notou que Sven que sempre acompanhava o biólogo, fazia uma verificação de rotina em todo o aparato de contenção.

- Certifique-se que não existam fugas, Sven, de outra forma perderemos a amostra ou contaminaremos o ambiente externo assim que eu abrir a caixa! – Nick ainda dava as ordens de segurança, desta vez com maior severidade.

- Está tudo pronto Nick, o teste de vácuo não mostrou nenhum tipo de fuga ou ruptura, pode abrir a amostra quando quiser! – estava iniciado o procedimento de abertura da amostra colhida nas profundezas daquele mundo gelado, sob a orientação de Nick Frost.

O cilindro metálico e reluzente de aço inoxidável com oitenta centímetros de comprimento e quinze centímetros de largura possuía uma tampa de rosca de do mesmo diâmetro em uma das extremidades, na outra apenas um buraco que estava fechado por contrapressão de impacto quando do recolhimento da sedimentação do fundo do lago. Seria necessário abrir a tampa rosqueada para que todo o conteúdo fosse despejado sobre uma espécie de bacia de vidro côncava um pouco maior do que o tubo metálico. As duas aberturas em uma das laterais de vidro permitiam que os braços fossem inseridos dentro da câmara protegidos por uma espécie de luvas de borracha fixadas na borda. Com o cuidado e a experiência necessária de já ter feito esse procedimento dezenas de vezes, Nick enfiou os braços nas luvas de borracha presas á caixa de contenção e com um único movimento de torção, desatarraxou a tampa.

Não precisou fazer muito esforço para que o conteúdo no interior do cilindro escoasse para a bacia, a gravidade encarregava-se desse problema e com certa facilidade. Curiosamente não havia lama em seu interior; um líquido viscoso de cor verde acentuada muito parecida com as algas marinhas preencheu por completo o fundo da bacia de coleta do material para estudo. Não havia água na coleta o que era muito estranho para aquela profundidade e finalidade da pesquisa, a suposição era de que fosse um lago de água doce, talvez o tempo e a sedimentação orgânica em decomposição tenham criada aquela massa indefinida que ele e seu colega de trabalho iriam desvendar logo em seguida.

- O que acha Anton? Material orgânico em decomposição e misturado com a água? – Nick estava curioso para saber a opinião do colega.

- Não creio! Se fosse esse o caso, penso que teríamos achado petróleo e não essa composição verde e indefinida! – a estimativa era de que o Lago Vostok pudesse estar selado há pelo menos doze quem sabe quinze milhões de anos, seria tempo suficiente para haver outros elementos químicos que evidenciassem essa probabilidade.

- É impressão minha ou a coisa verde e gosmenta está se mexendo? – Sven debruçou-se um pouco mais sobre a câmara de vidro para ver melhor. Os dois cientistas que lideravam o experimento fizeram o mesmo.

- Não, não está enganado! Alguma coisa se move dentro desse liquido espesso e uniforme, que não é água... – Anton vislumbrou uma linha de preocupação na testa de Nick Frost.

O biólogo pegou uma espátula acrílica que ficava no interior da câmara e volveu com vagarosidade um pouco do liquido viscoso verde e espesso, a espátula não voltou inteira, havia derretido a parte que tocara aquela substância estranha retirada das profundezas do lago pré-histórico.

- Isso não está certo! Não deveria haver nenhum tipo de elemento sulfuroso nestas condições e ainda mais apresentando essa coesão! – Nick percebia que o liquido mantinha-se uniforme e regular, era como se fosse uma única massa. A água também se comportava assim, como outros elementos, mas aquele, de forma muito especifica, aproximava-se mais das propriedades do mercúrio. – Anton, faça uma análise com o espectrômetro e veja qual o resultado que encontramos para essa substância! Se alguma coisa estiver fora do padrão me avise! – retirou-se para procurar Nádia Romanov, ainda que tivesse o sobrenome da família real russa, não tinha nenhum parentesco. Levou algum tempo para encontrá-la, não estava certo do horário, mas era mais tarde do que supunha.

- Nádia! – encontrou-a entrando no dormitório para se recolher, por instantes imaginou que não estivesse totalmente vestida. Ela virou-se ainda com a blusa que acabara de retirar sobre o peito presa entre os braços. A pele alva contrastava com os cabelos negros por sobre os ombros nus.

- Nick! Que susto! – corou subitamente fazendo com que as maçãs do rosto ficassem levemente avermelhadas, pensou logo em seguida que ele bem que podia ter chegado alguns segundos depois quando ela não tivesse nenhuma opção de cobrir o corpo, isso teria sido muito interessante, pensava, mas não era hábito que ele fosse até ao alojamento onde costumavam dormir àquela hora.

- Desculpe... Não foi intenção... – Ainda não tinha conseguido desviar totalmente os olhos da parte superior e desnuda da bela mulher á sua frente. Vinte e cinco anos, morena com cabelos longos e lisos, olhos verdes bem claros que contrastavam muito bem com a cor do batom vermelho que usava, pernas longas, mas roliças e bem torneadas, não era baixa, talvez 1,70m e seios volumosos, mas não exagerados. Isso ele tinha reparado em outras ocasiões e que naquele momento estavam absolutamente aprisionados contra o peito pela blusa e os braços cruzados de Nádia Romanov.

- O que o traz aqui a esta hora e de forma tão repentina? – ainda estava curiosa e ao mesmo tempo alguns pensamentos maliciosos passavam por sua mente. Respirava com alguma dificuldade por estar na presença dele quase como desejava. Aquele lugar em que ficavam confinados por meses a fio, podia ser muito solitária ás vezes, ou quase sempre...

- Não se preocupe nos falamos amanhã! Mais uma vez desculpe pela interrupção... – Afastou-se virando de costas para que ela “baixasse a guarda” e conseguisse finalmente relaxar. Imaginava que o rubor nas faces fosse pela dificuldade dela respirar com o próprio peito pressionado pelos braços de forma tão veemente.

Nádia sentou-se na cama deixando que a blusa finalmente caísse sobre o colo cobrindo-lhe as pernas, olhou para baixo e viu os próprios seios, não tinham nada de errado e talvez fosse a parte que mais gostava em seu corpo, mas parecia não atrair Nick Frost. Deitou-se ainda vestida com o restante da roupa e cobriu o corpo até á cabeça, não sabia se queria acordar no dia seguinte. – “Você é uma mulher perfeita Nádia! Nunca deixe que digam ao contrário...” – Pensou antes de cair em sono profundo.

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