top of page

O Príncipe

Buy
Pdf
E-Pub
Mobi

O Príncipe (2016) Capítulo I - O Príncipe da Índia - O pequeno reino de Kapilavastu ficava incrustado nas fronteiras entre a Índia e o Oeste do Nepal, montanhas subiam ao céu quase tocando o firmamento, enquanto vales se aprofundavam em direção ás planícies onde as pastagens eram mais propícias há habitação e vida sem as intempéries dos grandes picos do Himalaia.

 

No ano de 410 a.C. na localidade de Lumbini havia nascido Shakyamuni filho do rei Suddodhana do clã Sakya e da princesa Mayadevi do clã Koliyan, um dos grandes reinos da Idade do Ferro dos Vedas. O pequeno príncipe era muito saudável, o choro forte ao nascer demonstrava o vigor que possuía, os olhos negros perscrutavam tudo à sua volta, queria ver as “cousas” do mundo sem perda de tempo.

 

Seus pais estavam encantados com o novo membro da família e como tal procuraram anunciar “aos quatro ventos” a Boa Nova. Oferendas vindas de todos os reinos adjacentes e até mesmo dos mais distantes, inclusive do Ocidente, aqueles que são considerados bárbaros, prestaram sua homenagem. Não tardou para que logo após o nascimento, Asita o ancião, profetizasse que no futuro o pequeno príncipe se tornaria um monarca universal transpondo as fronteiras dos territórios indianos e nepaleses, suas conquistas seriam lembradas por milhares de anos e uma nova ordem sobre a terra se instalaria para todo o sempre.

 

- Um grande rei ele será! Nem as montanhas nem os rios se atreverão a desafiá-lo! – Asita brandia seu cajado no ar com uma só mão – mas seus caminhos serão tortuosos e talvez não agradem a todos! – fez uma reverência solene perante o Rei a Rainha e o pequeno príncipe, que naquele momento queria apenas olhar as plumas coloridas que esvoaçavam por cima do seu berço finamente decorado de contas e trabalhado à mão pelo que havia melhor de artesãos naquele reino.

 

Porém, o rei compreendendo as palavras do ancião como uma incitação a uma possível guerra à qual não queria submeter seu reino nem seu povo decretou que Shakyamuni, o príncipe, deveria permanecer dentro do palácio por tempo indefinido e que desta forma nada lhe faltasse enquanto perdurasse o confinamento. Seria uma forma de proteger seu país de possíveis agressões antecipadas caso chegasse aos ouvidos de seus vizinhos que o pequeno príncipe seria talvez o senhor das futuras guerras, belicista ao extremo, um verdadeiro destruidor de mundo, por outro lado também o protegeria dos malefícios do mundo externo os quais considerava nocivos para seus protegidos, mas não o povo...

 

Era intenção de Suddodhana que seu amado filho se tornasse rei a qualquer custo, pois disso dependeria a sobrevivência do clã e por muitos anos conseguiu seu intento. A educação de Shakyamuni ficava a cargo de sua mãe e sua irmã mais nova Maha Pajapati e outros tutores que procuram ensinar os segredos da vida e da espiritualidade.

 

Até completar seus 16 anos, a vida do príncipe tudo tinha discorrido conforme os planejamentos feitos pelo seu pai ao nascer, mas isso por si só não seria o suficiente de modo que atingindo essa idade e preocupado com a sucessão monárquica via um possível extravio de seu filho para as coisas do mundo caso este decidisse que havia muito mais coisas do que apenas aquilo que lhe havia sido mostrado. Decidiu por bem do príncipe que seria de melhor intento que este se casasse em breve, pois pretendentes não faltavam para aquele príncipe recluso e misterioso.

 

Sem deixar que esse pensamento se prolongasse por um tempo maior, o rei apressou-se em arranjar um casamento de Shakyamuni com sua prima em primeiro grau Yasodhara filha de Dandapani, irmã de sua mãe que tinha a mesma idade e que Shakyamuni estimava de forma evidente, além de que era consenso que estava entre as mais belas e virtuosas mulheres do reino de Koliyan.

 

Os preparativos foram feitos, nada lhe faltaria, toda a riqueza do reino estaria á sua disposição para que este evento memorável fosse passado ás páginas de história como o maior de todos os tempos do clã Sakya. Maravilhas foram feitas como decoração, o salão principal do palácio de Kapilavastu possuía um vasto salão com mármores lustrosos por todo o chão formando desenhos de mandálas ancestrais que segundo a tradição trariam boas graças a quem caminhasse sobre elas.

 

Os adornos de seda de cores vibrantes fazia o contraste com o restante do ambiente não deixando que a frieza da pedra com que era feito o recinto se sobrepujasse à arquitetura, e o príncipe que sempre percorrera aqueles jardins e átrios não estranhava que a cerimônia fosse naquele lugar, mas precisaria como tudo em sua vida, que fosse feita uma cerimônia fechada com pouquíssimos convidados o que de certa forma o decepcionou.

 

Via em seu casamento uma oportunidade de expandir seus conhecimentos pessoais e quem sabe poder saber um pouco mais sobre o mundo exterior do qual era até então privado por todos os meios e vontade de seu pai e assim que a cerimônia foi concluída, tudo voltou á monotonia de antes para tristeza de Shakyamuni. Poucas coisas em sua vida haviam mudado além do aumento de responsabilidades, agora como esposo também, portanto, agradar a sua amada estava agora oficialmente entre seus afazeres diários.

Não tardou muito tempo para que dessem à luz um filho, o primeiro ao qual deram o nome de Rahula, tal qual o pai tinha nascido de olhos abertos e com os pulmões a “pleno vapor” e mesmo assustado por descobrir naquele momento o segredo do nascimento, mas ao que tudo indicava, assim como Shakyamuni seria criado dentro da proteção do palácio com todo o conforto que somente um príncipe de seu porte poderia possuir naquele tempo.

 

O tempo passava e apesar de se sentir feliz com a família que havia constituído, muitas das perguntas que assolavam a mente de Shakyamuni e ele sabia que nenhuma delas poderiam ser respondidas no confinamento em que se encontrava, mais se assemelhava a uma gaiola dourada do que um palácio da realeza, e como tal passou a ver aquilo como uma prisão e ele detido por um crime que não havia cometido, além de nascer...

 

Não era culpa de seu pai muito menos de sua mãe que sempre tinham sido exemplares nos seus cuidados, por vezes até bastantes excessivos! Por outro lado sua adorada irmã Maha não media esforços para atender seus desejos, alguns deles que poderiam ser considerados até como rebeldia aos olhos de seu pai. Numa dessas vezes quando ainda contava com doze anos tentou sair do palácio com a ajuda de Maha, mas foi infrutífero, pois alguns dos criados que serviam aos príncipes faziam muito mais do que apenas prestar-lhe serviços, eram pessoas encarregadas de monitorar todos os passos do futuro rei e como isso Maha, ficou de castigo por um longo tempo, ainda que a ideia de sair do palácio tivesse partido do pequeno príncipe.

 

Seu pai sabia dessa verdade, mas mesmo assim fez prevalecer sua vontade como símbolo de autoridade perante todos, inclusive Shakyamuni. Com o passar do tempo a presença de Maha se tornou mais rara na vida do príncipe, a irmã era uma das poucas pessoas com quem tinha o privilégio de conversar e pouco depois deste duro golpe que recebera, seu pai arranjara-lhe o casamento.

 

A vida de casado para o futuro rei não era um fardo a carregar, pois por ser muito novo não tinha o compromisso de tomar grandes decisões e a única coisa com que realmente se envolveu fora os estudos das ciências conhecidas fora o nascimento de seu primogênito, que durante muito tempo se dedicou de forma integral. Achava fantástico como uma coisa tão bela e tão pequena aos poucos conseguira conquistar sentimentos seus tão fortes que por vezes sentia que jamais poderia protegê-lo da mesma forma que seu pai fazia. Se o mundo era tão cruel como lhe descreviam, certamente não desejaria fazer parte dele se assim fosse, mas ainda assim achava que deveria vê-lo com os próprios olhos.

 

Mas mesmo com o passar do tempo as perguntas sobre o mundo exterior não cessavam em sua mente, nada conhecia que não fosse dentro dos domínios que o cercava.  “haveria outros como ele?” – pensava apenas para si, não mais se atrevia a fazer essas perguntas para outros, muito dos criados tinham sido trocados por ordem do seu pai por terem conversado sobre coisas “impróprias!” com ele.

 

Mas, que tipo de mundo haveria lá fora? Será que todas as coisas do mundo que havia aprendido com os sábios nas aulas de ciências ainda existiram ou seriam apenas delírios de fatos acontecidos num passado distante. Tinha lido quase todos os livros que lhe foram entregue inclusive aqueles que exaltavam as batalhas celestes de seus ancestrais contra o povo que veio do oceano distante.

 

Os estrondos das carruagens de fogo que ascendiam aos céus carregando as armas de raios que eram capazes de dizimar um povo inteiro com apenas um disparo! Rudra, Varuna, Agni e Indra, os deuses em toda a sua glória comandando o destino dos homens e da humanidade, mas seu pai não era um deus e como tal não poderia comandar mais seus sonhos, era imperativo que visse o mundo lá fora, mesmo que para isso precisasse desafiar a ordem real.

 

- Afinal o que de mal poderia acontecer em desafiar o Rei? – disse para si Shakyamuni – provavelmente serei preso e encarcerado para toda a vida! – sorriu abundantemente com a própria resposta que obtivera, descobriu que sempre fora um prisioneiro sem sombra de dúvidas.

 

Aos poucos o que era curiosidade foi-se transformando em necessidade, não se interessava pelos livros religiosos, mas gostava das passagens heroicas de seu povo, pois aqueles ensinamentos de nada acrescentariam á suntuosidade em que vivia se não tivesse a oportunidade de saber o que se passava nos muros exteriores do palácio onde estava confinado desde seu nascimento.

 

Esperou pacientemente, sabia que em algum momento haveria a oportunidade de expandir “seus horizontes” como gostava de pensar, e os anos que se sucederam ao casamento foram de relativa calmaria e afetuosidade, mas a luxuria e riqueza que desfrutava mais o deixava inquieto em seus anseios de conhecimento do que feliz pela fartura a que era submetido.

 

Era certo que seu pai o havia poupado do sofrimento do mundo até então, desconhecia o que era a pobreza e a fome, nunca teve um histórico de doenças de qualquer natureza que não fizessem parte do crescimento de qualquer criança comum, que a seu ver não tivera a oportunidade de conhecer muitas durante toda a sua vida. Nada entendia da vida que não fosse aquilo que apenas lhe quiseram ensinar.

 

Já com 29 anos e cansado do cativeiro a que fora submetido, mandou chamar seu cocheiro Chandaka:

 

- Preciso que arranje uma carruagem para me levar além do palácio? – proferiu em tom autoritário o príncipe.

 

O cocheiro mesmo sabendo das ordens do Rei não se atreveu a desafiar Shakyamuni e tão logo lhe foi possível, retirou-se em direção aos estábulos. Escolheu a que mais se adequava ao propósito, tinha entendido o que a viagem seria muito provavelmente curta e discreta e isso requeria discrição, e por esse motivo escolheu um pequeno coche quanto menos soubessem quem estava em seu interior melhor seria para todos, sem exceção.

 

- A carruagem vos espera meu príncipe conforme ordenado... – disse Chandaka ficando a uma distância regular como era de praxe – mas devo adverti-lo que o Rei não apreciará essa desobediência – terminou fazendo uma reverência, em todo o caso tinha feito o seu trabalho de melhor aconselhar o príncipe.Shakyamuni olhou-o com atenção, mas não sem esboçar um largo e acolhedor sorriso – não se preocupe Chandaka se a sua cabeça for esmagada pela pata de um elefante certamente a minha terá ido antes! – disse aproximando-se – além disso, não acredito que meu pai tenha me poupado todos estes anos para me condenar à morte! – concluiu andando em direção ao coche seguido pelo cocheiro, mas em seu interior pensava se não tinha sido exatamente isso que seu pai havia afeito, condená-lo à morte lenta e solitária quando o confinou entre as paredes daquele belíssimo palácio.

 

Chandaka deu de ombros e já acomodados e com o chicote na mão virou-se para trás e perguntou:

 

- Para onde deseja ir meu príncipe? – esperou por alguns instantes a decisão de sua alteza. Curiosamente essa nunca tinha sido uma pergunta que Shakyamuni tivesse feito a si mesmo, sim tinha pensado muitas vezes em sair e desbravar o mundo exterior, mas não sabia ao certo para onde ir. Aquele simples pergunta o tomara de surpresa e percebeu o quanto estava despreparado para as coisas do mundo.

 

- Você será meu guia amigo cocheiro! Leve-me para onde achar melhor, quero ver as coisas do mundo! – Disse com pouca convicção. Sem mais demoras a carruagem rumou para a incursão além dos muros do palácio. Não tardou que a noticia da evasão do príncipe se tornasse alvo das críticas reais, surpresa e desapontamento foram percebidos pelo rei em virtude da decisão que seu filho tomara contra sua vontade, mas nem tanto por sua mãe que de certa forma já o havia encorajado a tomar para si a coragem de desafiar seu pai e galgar os muros que o continham.

 

Mayadevi não acreditava que o filho devesse ser privado das belezas e dificuldades do mundo exterior ao qual era submetido desde o nascimento. Em parte sentia-se culpada por não ser mais incisiva com o Rei, mas não era adequado que a rainha intervisse nessas decisões. Finalmente, após saber da decisão que finalmente havia sido tomada, sentiu-se recompensada por todos os anos em que permaneceram enclausurados, ainda que naquele momento o considerasse a atitude bastante tardia, mas isso era um pensamento único seu, pois não tinha ideia do que estaria por vir.

 

O mundo que se revelou aos olhos de Shakyamuni foi menos glamoroso do que podia ter imaginado, suas primeiras visões foram da extrema pobreza que alguns lugares do reino passavam, era muito diferente da vida no palácio e a descoberta que nada era como imaginava o decepcionou profundamente. Vivia uma ilusão desde seu nascimento um palácio de sonhos e mentiras que agora se desvanecia sob seu olhar. Muitos lhe estendiam a mão à sua passagem ainda que não entendesse por que, mas sentia a aflição daquele povo que parecia mal nutrido e com as roupas em farrapos. Em alguns momentos pôde ver ao longe alguma piras onde eram cremados entes queridos de alguém que prateava e honrava seus mortos ao melhor estilo de suas castas, mas nunc ativera ideia de que isso acontecia até que Chandaka lhe explicara em uma das suas muitas perguntas durante o passeio.

 

Seu pai tinha sido responsável por lhe esconder os males do mundo, a miséria, as doenças, os que sofriam sem saberem e aqueles que simplesmente sofriam por não haver nada mais a fazer. Dentre as coisas que mais o surpreendeu por onde passava estava a visão das pessoas velhas que o haviam chocado profundamente.

 

Desconhecia que a natureza da vida pudesse transformar as pessoas de forma tão irreconhecível ao ponto de questionar se eram verdadeiramente humanas, em alguns casos. Entendia que a vida era muito mais do que havia vivido até agora, mas também entendeu que seu pai não tinha o direito de tê-lo privado dessas experiências e conhecimentos.

 

Sua curiosidade foi espontânea: - Chandaka, porque as pessoas andam tão curvadas e apresentam rostos e pele tão desgastados como as frutas que apodrecem antes de podermos comê-las? – perguntou Shakyamuni a seu cocheiro.

 

- Meu príncipe, nós os que vivemos a vida dos homens comuns envelhecemos assim como todos os que nascem. Muitos atravessam o longo caminho da vida levando em seus corpos as marcas das experiências vividas – assentiu enquanto parava a carruagem e continuou:

 

- Nem todas as marcas são de desgosto, algumas são de felicidade, mas o tempo não perdoa nem a mais bela das criaturas e todas estão condenadas a envelhecer como se fosse uma doença que consome o corpo, mas não a alma! – concluiu.

 

O príncipe continuava intrigado com aquelas visões - mas eu nunca tinha visto nada igual, nem mesmo dentro do palácio, desconhecia que tal processo acontecesse, ainda que percebesse que das pessoas que me cercavam, muitas deixaram de me visitar regularmente até que finalmente despareceram – suspirou em verdadeiro desalento – então era por isso que eu não as via mais, para não pegar a doença do envelhecimento? – perguntou olhando seriamente e preocupado para o cocheiro.

 

- Temo majestade, que a velhice não seja uma doença que adquirimos através dos outros, mas sim quando nascemos, no exato momento em que somos concebidos pelo Divino! – Chandaka tinha se virado para poder olhar o príncipe em toda a sua ingenuidade, em geral não era de costume que se pudesse olhar a realeza diretamente nos olhos, mas neste momento sentia-se confiante o suficiente para falar algo mais do que apenas o que esperava que ouvisse.

 

- Existem aqueles que terão a sorte de viver uma vida plena e feliz, cada um a seu modo, e que a velhice será a sua recompensa por uma vida de descobrimentos e aventuras, afinal estar vivo por si só já é uma aventura grandiosa, terminar essa aventura é o desafio! – continuou Chandaka com um sorriso generoso em seu rosto.

 

Shakyamuni estava confuso como uma coisa que lhe parecia tão desprovida da própria vida, como se fosse uma flor seca ao sol pudesse passar essa pureza toda que ouvia de seu cocheiro.

 

– Mas e os jovens todos vão ficar velhos como estas pessoas que vejo moribundos pelas ruas? Até eu? – Shakyamuni perguntava-lhe com certa apreensão na voz, estava preocupado com a resposta, nem sabia ao certo de poderia até confiar nas palavras do cocheiro, ainda que soubesse que sempre lhe quis bem. - Sim majestade, mas ao contrário do que pensa, nem todos os jovens envelhecem, alguns morrem por doenças incuráveis, outras por infortúnio da natureza ou do homem – suspirou antes de continuar, não queria de forma alguma assustar o príncipe que via pela primeira vez o mundo exatamente como ele era aos olhos dos homens comuns.

 

– A vida não é eterna e as guerras fazem muitas vitimas porque os homens são ambiciosos e almejam a riqueza que os outros têm. Por vezes disputam a atenção dos Deuses entre si sem imaginarem que possuem os mesmos Deuses apenas com nomes diferentes – suspirou outra vez o cocheiro – por fim meu príncipe, a terra que habitamos é hostil ao nosso corpo e conspira a todos os instantes através da natureza para conter o nosso avanço e desta forma somos frágeis no ambiente em que vivemos – encerrou voltando-se para os cavalos e fazendo com que estes dessem meia volta e entrassem e não muito tempo depois adentrassem pelas portas do palácio.

 

O retorno ao palácio real onde tinha residido toda a sua vida soou como um lugar estranho e diferente do que havia deixado poucas horas antes. Shakyamuni permaneceu em silêncio por todo o tempo em que chegava ao jardim que dava inicio aos seus aposentos e onde a carruagem parara. Dentro do palácio algumas dançarinas o aguardavam para fazer uma performance especialmente para em sua homenagem na intenção de que isso aliviasse qualquer visão negativa que pudesse ter sido vista no mundo exterior, mas apesar dos esforços das belas dançarinas que outrora sempre cativaram sua atenção, desta vez a impressão que tinha obtido além dos muros do palácio o deixavam profundamente entristecido e o deprimiam avassaladoramente.

 

Adormeceu num sono profundo e pesado, como se o seu corpo pesasse mil elefantes, era o que sentia e mesmo que tentasse acordar não conseguia. Mas naquela noite viajou por profundos vales e desertos, montanhas se erguiam na frente e atrás e o Sol não mais nascia no lugar das montanhas onde ele tinha vivido todo os dias de sua vida até aquele momento. Seria possível que, como havia dito Chandaka, estivesse morto e passado para o outro lado da vida, se é que existia?

 

Na manhã seguinte olhou em volta e viu que as dançarinas dormiam o sono dos justos à sua volta, cada uma disposta ao seu bel prazer. Levantou-se e olhou para si, e não compreendendo na totalidade o que lhe havia ocorrido entre a saída que fizera e o acordar daquele sono prisional em que se encontrava, pesou em tomar a decisão de que o que procurava estava lá fora junto aos que abdicavam de vidas luxuosas e abastadas, para se juntar ás legiões de homens e mulheres que viviam a incerteza de cada dia, um dia de cada vez. Mas lembrava-se claramente do deserto e das montanhas em seu sonho, será que ainda os veria?

Pensava que se queria ser um homem completo jamais poderia viver duas realidades diferentes, pois em algum momento haveria uma colisão de dois mundos e só um deles sobreviveria, e não queria descobrir a qual pertenceria sem que tivesse o absoluto poder de escolha.

 

Se havia uma a fazer, seria este o momento mais propicio, abandonar os prazeres da vida não no seu fim, mas sim no inicio quando tudo o que precisava estava ao seu dispor e com fartura. Esta seria a renúncia das riquezas terrenas e que talvez com o tempo lhe permitissem ascender ao mundo dos espíritos com dignidade coisa que até então tinha sido privado por ordem do Rei.

 

Passaram-se algumas semanas até que tomou coragem para abrir mão do seu mundo protegido e seu cativeiro de ouro e segurança. Dentre as coisas que mais lhe eram caras a deixar para trás estavam sua amada esposa e companheira Yasodhara que tinha sido sua confidente por anos a fio, sabia de suas certezas e de seus medos, através dela pode entender melhor a natureza do amor e a beleza da dedicação espontânea. Se existia alguém que merecia a oportunidade de se elevar aos céus era Yasodhara.

 

Rahula seu filho não era mais uma criança, mas entenderia ele a decisão de seu pai de não se tornar rei como tinham sido todos os seus antepassados? Como explicar que o sentimento que sentia por ele e sua mãe eram tão grandes que por vezes chegava a sufocar de tanto amor? Essas perguntas consumiam os pensamentos do príncipe Shakyamuni.

 

Não havia explicação a dar, esta seria a decisão! Nada poderia substituir a razão do amor, pela desculpa do homem há procura de conhecimento. Seria melhor que sua ida não fosse anunciada e que a última lembrança que levasse consigo fosse aquela que iluminaria seus dias de tempestade quando eles chegassem o amor por sua querida esposa e seu amado filho.

 

Já se passara bastante tempo desde que tinha visto o mundo exterior sem a máscara da mentira de seu pai, não o condenava por isso, certamente tinha lhe desejado o melhor, mas permanecer no palácio seria aceitar que era incapaz de tornar um homem como tantos outros o eram e não apenas uma sombra  protegida e aprisionada num palácio de ouro e cristal.

 

Sem muito pensar e naquela manhã em que o Sol fazia questão de iluminar todos os cantos como se quisesse deixar impressa em sua mente tudo aquilo que estaria deixando para trás, o príncipe olhou em volta e viu que pela primeira vez tudo reluzia como ouro e diamantes ainda que não fossem, era uma visão avassaladora como certas coisas podiam ser magnânimas e ao mesmo tempo não terem valor nenhum.

Mandou chamar Chandaka novamente para que desta vez preparasse seu cavalo Kanthaka e que seria a partir de agora seu companheiro de viagem.

 

Deveria seguir sem mais demoras, já tinha perdido muito tempo de ver a realidade do mundo. Estava pronto para as novas descobertas, o seu destino o chamava e não havia nenhuma maneira de adiá-lo por mais tempo. Montou em seu cavalo e sem olhar para trás seguiu em disparada pelos portões do palácio afora, seu pai com verdadeiro pesar de uma das sacadas apenas o olhou se afastar sem ao menos tentar impedi-lo, a tristeza estava não em vê-lo partir, mas que não quisesse compartilhar essa decisão com ele que sempre o tinha protegido.

 

Shakyamuni não tinha deixado para trás um mundo o qual dominava em sua totalidade e aventurava-se agora num outro em que não sabia absolutamente nada. Esta seria a tal aventura que tanto falavam, só lhe restava cavalgar o mais longe possível do palácio e da influência de seu pai só assim se tornaria um homem comum...

bottom of page