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O Messias

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O Messias (2016) - Capítulo I - Yeshua Náẓərat - O rio Jordão tinha ficado para trás depois que Yohanan Hamatbil, estimado primo, havia mergulhado o corpo de Yeshua e proferido as palavras sagradas para consagrá-lo a Deus pai, isso daria inicio à peregrinação no grande deserto. Yeshua já havia estado lá outras vezes, mas neste caso seria para meditar sobre as coisas da terra e dos homens. Estava agora com trinta anos e até aquele momento a vida o tinha empurrado para levar-lhe ao conhecimento de que o lugar onde viviam não era o centro do mundo ainda que seus dominantes assim o proclamassem.

 

Roma estava cada vez mais presente na vida dos hebreus e nas terras sagradas, a cidade santa já não pertencia mais aos sacerdotes onde anos antes, quando ainda era um menino, lhe haviam sabatinado sobre os conhecimentos que possuía sem saber ao certo de onde estes advinham.

 

Enquanto caminhava lembrava-se que sempre que dormia profundamente desde que era criança, quando acordava milhares de pensamentos novos invadiam sua mente com respostas para muitas perguntas que os homens vinham fazendo a si mesmos por infinitos séculos, mas ao mesmo tempo as perguntas nunca diminuíam, só aumentavam dia após dia de incertezas.

 

Não havia sido sua escolha nascer em momentos tão conturbados, a impressão que tinha era de que o poder esmagador dos conquistadores acabaria por aniquilar qualquer tipo de resistência humana, porquanto os homens de sua tribo quisessem apenas a paz, mas aceitava que sua existência poderia ser tão importante para seu povo quanto haviam sido os maiores nomes de sua história através dos tempos. Sentia que estava predestinado a coisas grandiosas.

 

Porém, agora recordava-se da passagem pelo deserto quinze anos antes com seu tio e seu pai o carpinteiro, e a pequena parada junto ás montanhas da província romana da Judéia, sempre tão distante em direção ao Leste, deveras cansativo. O imperador Tibério tinha designado Valerius Gratus um político romano influente que sucedeu Annius Rufus, oficial da cavalaria para governar toda a Judéia.

 

Yeshua estava com 16 anos quando fizeram último acampamento naquela terra tão árida e montanhosa, seu tio Zekariyah que os acompanhava, precisava de madeira para fazer a fogueira e tão logo lhe foi possível, depois de descarregar as mulas, começou a procurar gravetos e pequenos galhos secos que queimassem com rapidez e o exalassem o inconfundível aroma da Olaia.

 

O Sol já se resguardava pela linha do horizonte para dar inicio à noite que se aproximava e o céu prometia um manto de estrelas de tão límpido que estava, nem uma nuvem sequer estava visível ou ameaçando-os com intempéries. Com a lenha que havia conseguido amealhar ali por perto a fogueira crepitava projetando sombras sobrenaturais que mais se assemelhavam a uma dança pagã.

 

Eram incríveis formas que vibravam entre si e vez ou outra se entrelaçavam como se dessem as mãos e rodassem por todo o acampamento. “Com era lindo o fogo, elemento que tudo renova transformando o que é naquilo que será em algum momento!” – pensava Yeshua com a sua tenra idade, lembrava-lhe o sal da terra que conservava os alimentados e perpetuava os mortos, mas também dissolvia tudo em seu caminho para dar lugar a coisas novas. Entendia que isso era um circulo natural em que viviam, mas nem por isso deixava de se maravilhar com tais elementos.

 

Era comum para todos do seu povo que fizessem a peregrinação ao deserto em tempos regulares para que renovassem a fé naquilo que acreditavam, e nada era mais divino do que poder contemplar a vida em toda a sua diversidade, simplicidade e rudeza. No seu caso, admirava as coisas que considerava simples da natureza e via em cada estrela, criatura, montanha, rio ou lago a mão de uma inteligência suprema que para ele era simplesmente a razão de tudo existir.

 

Sabia que aqueles pensamentos que tinha constantemente eram os que mais irritavam os sacerdotes que o inquiriam com frequência sobre de onde vinha tanta curiosidade sobre as coisas do mundo. Mas não sabia explicar, simplesmente pensava e nada mais, e todos os seus amigos que o cercavam para ouvi-lo falar sobre como achava que as coisas eram feitas e como funcionavam, desafiava as leis de sua religião. Não por acaso era sempre penalizado por seus pensamentos nada convencionais, e ainda que considerasse uma injustiça ter que responder por isso na forma de castigo, ainda preferia que assim o fosse, a ser somente um homem como todos os que conhecia e que aceitavam seus destinos sem fazerem perguntas.

 

Não que isso os diminuísse como homens, pelo contrário, aqueles que se conformam não possuem ambição e desta forma também não terão curiosidade e sem esse elemento em suas vidas não existe razão para avançar como povo e sociedade. Trata-se da estagnação e morte por antecipação. Estão fadados a ser o que são por tempos intermináveis... Era este seu pensamento.

 

Em seu intimo tinha a absoluta certeza que havia mais coisas lá fora, no mundo do que apenas aquilo que ensinavam nas sinagogas, uma imensidão de possibilidades era o que sempre despertara seu interesse em seguir adiante fazendo perguntas, mesmo que não gostasse das respostas, pois em sua maioria estas não existiam.

 

O cansaço abateu-se sobre meu corpo e profundamente dormiu o sono dos justos. Nos seus sonhos apenas o deserto e as montanhas. – Suba a montanha! – dizia-lhe uma voz longínqua e grave - suba a montanha, lá está seu destino! – enquanto caía no sono profundo.

 

Foi no final do terceiro dia em que lhe coube novamente a função de pegar madeira para acender o fogo, que percorreu um caminho mais longo do que estava habituado, não tinha percebido até então o quanto se afastara do acampamento, mas sentia a necessidade de caminhar mais, ir mais longe, sentia-se bem andando no deserto mesmo que não houvesse muito o que ver além das montanhas íngremes e escarpadas e a aridez das planícies. 

 

A noite caiu sobre Yeshua como um suave véu e só então percebeu que não mais seria possível fazer o caminho de volta na escuridão total em que se encontrava apesar da abundância de estrelas. O luar tardaria a chegar e não havia garantias de poder caminhar com segurança e encontrar o acampamento, isso certamente era um problema, além da preocupação que seu pai e seu tio estariam por conta de sua demora.

 

Só lhe restava encontrar um abrigo antes que algum animal o perseguisse e pudesse até causar sua morte ou inflingir-lhe ferimentos graves. A montanha que estava à frente era íngreme, mas daria para subir ainda que demorasse algum tempo. Nesse momento vieram-lhe novamente à mente as palavras: – Suba a Montanha! - não seria nada fácil, alguns arranhões nos joelhos e pernas pareciam inevitáveis, as mãos sofreriam alguns danos também, mas o deserto estava longe de derrotá-lo, pelo menos desta vez!

 

Era quase certo que houvesse alguma pequena caverna onde pudesse entrar e se proteger da noite áspera que se aproximava, mas não conseguia encontrar nenhuma saliência que mostrasse haver qualquer tipo de refúgio, seria uma longa noite de frio e incertezas caso não achasse abrigo rapidamente.

 

Estava cansado e precisava parar um pouco, a lua chegaria a qualquer momento e talvez houvesse luz suficiente para ver algo que a escuridão daquele lugar não lhe permitia. A luz, sempre a luz! Seria a lanterna indicando o caminho dos que estavam perdidos e aquela luz era tão esperada quanto um prato quente de cordeiro e um naco de pão naquele momento.

 

Não tardou para que os raios do luar começassem a iluminar o pequeno vale árido abaixo de onde se encontrava, e aos poucos a luz foi subindo a montanha pelo lado em que estava. Em poucos instantes já havia percorrido uma vasta extensão de terra e como quem observa aquela maravilha natural, seguiu seu movimento em direção ao cume e aos poucos percebia que não haveria qualquer tipo de gruta ou abrigo que lhe permitisse pernoitar.

 

Encostou-se desoladamente à pedra que estava por detrás e ali permaneceu olhando a imensidão daquelas rochas, há quanto tempo estariam ali? Certamente muito mais tempo do que o homem existia... Quantos homens já teriam passado por elas e lhes contado segredos? Quantos segredos de tempos idos estas guardavam longe dos olhares dos homens, afinal estavam ali muito antes que estes habitassem aquelas terras!

 

Pensava em quantas histórias teriam elas para contar se por acaso pudessem falar, uma eternidade de pensamentos, incontáveis murmúrios e infindáveis dias e noites ao sabor do vento e da chuva, era isso que lhes dava forma e assim como os homens eram moldados pela rudeza da vida, assim também o eram as pedras e montanhas.

 

Isso era admirável, saber que ainda estariam ali mesmo depois que ele partisse por outros tantos milhares de anos, estas eram as melhores tábuas para se deixar uma mensagem para o futuro. Sem perder muito tempo e até porque precisava de distração pegou uma ponta de pedra mais afiada e escreveu seu nome “Yeshua Náẓərat, filho de Yosef o carpinteiro”.

 

Um raio de luar que ascendia pela lateral da montanha fez reluzir alguma coisa que talvez que só fosse possível vê-la durante o dia com a luminosidade do astro rei ou nem tanto, pois este poderia irradiar tanta luz que nem se veria aquele brilho tão tênue, que o convidava a dar mais um passo à frente, - “mas o que seria?” – pensava o jovem rapaz perdido na montanha do deserto.

 

A curiosidade não deixou que Yeshua ficasse imóvel, havia uma necessidade urgente de arranjar abrigo e assim que reluziu com mais intensidade correu em sua direção antes que pudesse desaparecer e pelo visto tão rápido seria quanto da forma que aparecera. Apressou-se em escavar em volta, era uma pequena ponta de algo que não parecia ser pedra e no plano inclinado em que se encontrava seria necessário remover mais terra para que pudesse ver efetivamente o que seria, a curiosidade aguçou-se em sua mente.

 

A única coisa que poderia ajuda-lo além das mãos, seriam alguns dos gravetos que tinha recolhido para a fogueira e que não os tinha jogado fora, pois poderia vir a precisar deles para se aquecer do frio noturno do deserto ou mesmo espantar as feras que ali habitavam.

 

A terra era resistente e dura estava compactada por tantos anos de sedimentação de chuva, Sol e vento, mas aos poucos e conforme cavava podia ver o contorno de uma caixa com pedaços de madeira do revestimento já apodrecidos muito provavelmente pela ação do tempo.

 

Sol e chuva eram uma combinação perigosa, assim seu pai o carpinteiro tinha-lhe ensinado, e enterrado neste lugar esse processo era muito mais rápido isso estava comprovado. Conseguiu com alguma dificuldade descobrir metade da ponta da misteriosa caixa que agora mostrava os contornos de metal dourado e trabalhado que só podia ser comparável ao ouro, o preciso metal que induzia os homens à loucura na procura por riquezas, raiz de tantos males e adornos de tanta beleza.

 

Não se encantava por seu valor, mas sim por sua raridade e aplicação, não havia dúvida que muitos ficavam com ares majestosos, outros simplesmente resplandeciam quando os raios de sol lhes tocavam. Assim era Miriam de Magadan, tinha a sua idade - pele muito alva e macia, cabelos muito cacheados compridos até ao ombro, os olhos da cor do mel ligeiramente acastanhados, mas muito claros, - era simplesmente a criatura mais perfeita que já tinha visto em sua vida – “Nada poderia ser mais belo do que a visão de Miriam!” – pensava enquanto continuava escavando com as mãos.

 

Seus pensamentos que tinham ido para tão longe voltavam-se novamente para o precioso metal amarelo, homens matavam e roubavam por ouro desde que tinham nascido, assim contava a história que passava de geração para geração, mas o que faria aquela caixa apodrecida e com adornos tão belos ali? Seria o tesouro perdido de algum Rei da antiguidade? Poderia até ser dos romanos, pois estes eram muito ricos!

 

Escavou mais um pouco e teve a impressão de perder o chão, a caixa se precipitou para trás e na tentativa de agarrá-la para que não a perdesse, esta o puxou para dentro daquilo que parecia uma pequena gruta. Caiu cerca de duas vezes sua altura, para os 15 anos que tinha não era nem baixo nem alto, apenas do tamanho certo para um hebreu, permaneceu sentado onde havia caído sacudindo a cabeça que havia batido em algo que se quebrou, ainda estava um pouco tonto.

 

Achou melhor não se levantar já que não sabia a altura do lugar onde havia caído notou que o buraco era pouco maior do que o tamanho suficiente para dar passagem ao seu corpo, assim como não parecia ser muito maior do que aparentava, mas a ausência de luz interna não permitiria olhá-la em todas as suas particularidades.

 

Estava cansado, poderia até dizer eu a exaustão de todo o dia tinha exaurido suas forças, estava com fome e não havia ânimo de sair daquele lugar, até porque o perigo estava em ficar na parte de fora e não na parte de dentro, estaria seguro pelo menos por aquela noite.

 

Suspirou duas ou três vezes pelo cansaço da escavação e por conta da queda, estava realmente exausto. Deixou o braço pender por cima da caixa carcomida e adormeceu profundamente. Tinha subido a montanha conforme lhe dizia a voz em sua mente, não a decepcionara.

 

No acampamento, Yosef andava de um lado pra o outro preocupado com o desparecimento repentino do seu filho, nunca tinha acontecido que Yeshua se ausentasse por tanto tempo, alguma coisa poderia ter acontecido. Preocupava-se que um chacal, leopardo ou leão pudesse ter vitimado seu precioso e querido filho. Não saberia como levar uma noticia dessas para sua esposa, mas o bom Deus seria misericordioso, Yosef considerava-se um bom homem e temente a Deus, não seria abandonado!

 

- Acalme-se Yosef! – Dizia-lhe Zekariyah agachado colocando mais lenha na fogueira – vou alimentar este fogo por toda a noite, pode ser que Yeshua o veja ao longe e caminhe para nós ao abrigo do acampamento – fez uma pausa olhando para Yosef.

 

- Alguma coisa não está certa Zekariyah! Meu filho nunca se afastou tanto dos acampamentos em outras ocasiões e já viajamos por tantos outros lugares que este nem de perto é o que mais nos deixa isolados do resto do mundo! – lamentou Yosef balançando negativamente a cabeça – ficarei de guarda à espera que ele volte, vá dormir, posso precisar de você mais tarde. – Concluiu não esperando uma resposta.

 

- Sim Yosef! Farei uma oração, mas não deixe de me chamar se precisar de algo. Estarei atento a qualquer barulho que meus ouvidos possam captar por mais longínquo que seja. Boa noite! – Zekariyah se retirou e dormiu sobre a pele de ovelha estendida perto do fogo.

 

Durante o restante da noite Yosef o carpinteiro e pai de Yeshua, ficou de sentinela esperando a volta do filho que não apareceu, e ainda que não soubesse se passariam muitos anos até que ele retornasse para casa, mas não seria mais o mesmo menino que acompanhara o pai nas peregrinações ou que o ajudava na carpintaria. Tornaria-se o homem que mudaria o destino de muitos, mas até aqui ninguém poderia sabê-lo!

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